sexta-feira, 11 de julho de 2008

A máquina e eu

As engrenagens ainda rangem, todas as vezes em que a máquina entra em operação. Pode-se dizer até que já faça parte, de certa forma, do próprio funcionar dela. Os sons emitidos, os cheiros exalados, de graxa, de fumaça...

Ela tende a girar de modo lento inicialmente. Mas não porque haja uma necessidade de incrementar-se a velocidade de maneira gradual. Caso ela fosse programada para tanto, mal ligada já estaria a plena carga, atingindo de pronto sua maior rotação. Mas não é o caso. Não hoje.

Mal começa, hesita parece, mas enfim põe-se em movimento. Ato contínuo, de pronto começam a surgir os primeiros elementos. Poderia até dizer-se que são "fabricados", mas não. Eles fazem parte da própria máquina. Ela os pare.

De frente para a janela, o reflexo dela parece misturar-se à imagem que vê-se através dela (a janela). Fundem-se num realismo fantástico. Brincam com nossa capacidade de focar: estaria no primeiro plano? Sei lá... Não consigo no entanto deixar de olha-la. Encanta-me. Algo acontece porém num determinado instante que eu jamais poderia imaginar...

Não sei se mais uma ilusão (de ótica, será?), vejo agora no reflexo a fusão entre a máquina e eu mesmo. De repente, vejo-me parindo a mim mesmo. Em princípio, acho graça. Mas passa. E rápido. Vem em seguida um desespero, que logo se aquieta também. Por fim, o mais simples: contemplo, placidamente. E lembro-me, aliviado, que basta eu parar de olhar para a janela que irei novamente ter minha vida de volta, meu corpo retomado. E faço isso.

Mas já não sou mais eu mesmo. Agora é tarde. A transmutação começou. E, por mais estranho que possa soar, parece-me que a máquina na verdade o tempo inteiro era eu mesmo, me fazendo brotar coisas novas de dentro das mesmas antigas. E me vem, por fim, enfim, um sentimento de alívio, mas daquele que nos assoma quando vemos que o caminho não é tão estranho assim - afinal, vai nos levar até a soleira da porta da nossa casa - mas o trajeto promete ser totalmente diferente.

Prendo o fôlego. E sorrio. Como quem pula da ponte para morrer afogado e deixa a água penetrar seus pulmões. É a morte consentida. Mas não aquela nossa, ocidental e das carpideiras, mas a da passagem para um novo estado, mais iluminado (se o caminho for devidamente bem trilhado, é bom que se diga).

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