terça-feira, 9 de dezembro de 2014

"Abre a porta e a janela e..."

Na casa das sete portas que dão todas para o sol mora o que não se ousa dizer o nome para que não se invoque nunca.
Para cada uma, das portas, repousam os sete desejos: Amor, Empatia, Inquietude, Crescimento, Realização, Felicidade e Paz. Todos irmãos, vitelinos gêmeos.
Todos filhos da mãe Esperança e do pai inominável.

Certo dia, porém...

Parricídio legitimamente defensável,

Foi-se ele.

E do Medo não se teve mais notícia.

Viveram sim, dora em diante, felizes

Vem...

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Relatividade

O Tempo anda mais rápido quando se quer bem alguém.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Jus Anima

Certa vez, há algum tempo do qual é difícil afirmar com exatidão quanto pois todos os registros perderam-se, na distante e ao mesmo tempo próxima Terra do Ser, travou-se uma batalha entre os Reinos do Pensar e o do Sentir.

Ambos, firmes na convicção de que sob a égide de suas filosofias seus exércitos eram os mais fortes, preparados e, porque não dizer, os verdadeiros merecedores da vitória que culminaria na conquista de todas as vastas amplidões do Ser, proclamando o regente vencedor como senhor absoluto de todas as coisas que existissem desde a superfície até o limite do firmamento daquela terra tão fértil e cobiçada, não esquecendo o domínio sobre o que jazia escondido nas profundezas, igualmente valioso e profícuo...

Primorosamente ornados, cada exército levava à frente seus estandartes.

O do Pensar, colorido numa matiz matematicamente descoberta após exaustivas pesquisas,
servindo esta de pano de fundo, preenchendo quase a totalidade do rico tecido, que por sua vez fora confeccionado usando o mais puro linho, entrelaçado milimetricamente graças a um tear que dizia-se ser um dos mais modernos concebidos até então. Bem no meio da flâmula, um brasão bordado com fios de ouro garimpado nos leitos dos rios mais puros do reino. Precisamente no centro do tal brasão figuravam uma pena finíssima e um cristal de nanquim, tendo logo abaixo a inscrição "Erga omnes, ratio legis".

À frente das fileiras do Sentir, igualmente destacava-se seu estandarte, este feito de algodão cru, aproveitado de sacos de trigo, costurados com algum esmero, mas não tanto assim...
De fato era um tanto confuso, quase uma colcha de retalhos onde figuravam pequenos quadrados - forma de dizer, pois alguns eram retangulares, outros circulares e mesmo uns tantos sem forma nominável - cada qual ostentando diversas figuras: borboletas, um sol risonho, um mar com nuvens tempestuosas e raios, o rosto de uma criança sorrindo, mas em meio a toda essa "poluição visual", conseguia-se divisar com certo destaque, ao centro, um coração estilizado.

Ao contrário do costume em situações de combate, ambos estandartes eram conduzidos pelos regentes em pessoa. Muito se discutiu, em ambos os reinos, sobre o perigo do comandante-em-chefe,
o regente-mor, ser a pessoa a seguir assim justo na vanguarda, desguarnecido, exposto de maneira tão suscetível a ser o primeiro em que fossem infligidos os ferimentos e por consequência, serem as primeiras vítimas a tombarem no campo de batalha. O que seria do moral das tropas, caso isso acontecesse? Como seguir adiante, tendo que literalmente passar por cima justamente deles?
Qual seria a motivação de todos em perseguir uma conquista se quem deveria servir de inspiração estaria ali, jazido?

Pois bem que a despeito de todos os conselhos recomendando prudência e inúmeros argumentos e apelos, ambos regentes fizeram-se de moucos e, coincidentemente usaram como palavras finais e definitivas as mesmas em suas decisões: "Esta guerra, antes de tudo, é minha."

Postos frente a frente, numa manhã de sol cálido mas que se recusava a ter sua luz difusa por nuvem de qualquer espécie que fosse, ambos exércitos colocaram-se em posição de combate.
Das fileiras de soldados, viam-se dentes renhidos, ouviam-se gritos de guerra proferidos ao extremo superior possível da audibilidade humana; verdadeiros canhões humanos cuspindo palavras como se foram balas; gerados em corações furiosos e fiéis às suas respectivas causas, crescidos nas gargantas findando a morrer em bocas que espumavam, reverberando ideais atávicos.

Em meio a tudo isso, ambos regentes contrastavam, impassíveis e concentrados, silenciosos...

Meio-dia. Soaram as trombetas. Corpos enrijecidos, mãos crispadas, armas em punho: é chegada a hora!

Porém, para surpresa de todos, o Rei do Sentir vira-se e diz a seus comandados: "Fiquem. Irei só." Bocas se abrem em estupefação ante a tal e nova loucura. Bocas fecham-se, obedientes.

E assim, começa a marcha solitária do regente, conduzindo seu estandarte.

Ao ver tal movimentação no campo oposto, o regente do Pensar volta-se atônito ao seu séquito de conselheiros - que insistiram em não arredar pé, mesmo que a alguns passos de seu Rei, formando uma fileira distinta de salvaguarda, vai saber, postada imediatamente atrás do intrépido (insano! inconsequente!) Rei. Todos e cada um deles, fazendo jus à sua condição, põem-se a tagarelar entre si, elocubrando, discorrendo sobre todas as possibilidades, enfim, sobre o que deveria e poderia ser feito ante a tal situação.

O Rei, na medida do possível - o barulho era tamanho... - ouve a todos e solenemente declara: "Todas vossas palavras entram em mim e encontram eco no mais profundo vale da minha lógica, porém não seria de bom-tom que eu não assumisse a mesma postura altiva e bravia e seguisse igualmente
só, ao encontro de meu par e oponente. Fiquem. Irei. Só."

Qual outra opção a quem não pode senão obedecer? Quedam-se cabisbaixos e em silêncio doloroso os conselheiros-mor, seguidos dos conselheiros destes logo atrás e consecutivamente assim deu-se por todas as fileiras, até o último homem na retaguarda. Tão logo constatou que sua determinação fora cumprida por todos, pôs-se o Rei a andar firmemente em frente.

Ambos regentes marcham compassadamente até postarem-se frente a frente. Em silêncio.
Agora, não mais que meio palmo os separa a ponto de que era possível cada um enxergar sua própria imagem refletida nos olhos do outro.

E aí, acontece.

Ante àquela visão de si mesmos, ambos abrem um sorriso. Primeiro tímido, meio de lado. Depois, veem-se os dentes, seguidos das gengivas, depois o oco profundo das bocas num gargalhar.

Eles eram idênticos?

Nunca haviam se encontrado antes. Todos os relatos descreviam um ao outro como ogros de tão feios e tão diferentes. Verdadeiros alienígenas. Absurdas aberrações.
Mas ali, de tão perto, foi possível ver que não eram tão diferentes. Aqui e ali um adorno a mais ou um a menos. A grande surpresa deu-se justamente quando se viram um pelo olhar espelhado do outro, que em ato contínuo, seguiu-se um perscrutar de semelhanças e comparações, deitando o olho e percorrendo desde a fronte até o bico da bota...

Não, não eram de fato idênticos.

Eram complementares.

...

No dia seguinte, a quatro mãos redigiram o que mais que um armistício era uma profissão de fé, um definitivo e último decreto:

"Artigo Primeiro: Deste momento em diante, todas as palavras escritas ou ditas terão exatamente o mesmo valor e peso das coisas sentidas e veladas.

 Artigo Segundo: Não será admitida, sob nenhuma circunstância, pontual ou com intenção de definitiva, que qualquer coisa que já habite ou venha a nascer na Terra do Ser não seja expressa de forma complementar e absolutamente necessária através de sentimentos e palavras.

 Parágrafo único: Mesmo que inauditas, as palavras deverão indiscutivelmente ser consideradas a mais pura expressão do que se sente e verdade pessoal última, mesmo e principalmente aquelas que venham a permanecer para sempre dentro da mente, do coração e da alma de quem as sente, não estando ninguém obrigado a ter que falar, explicar, justificar ou discursar sobre tais sentimentos.

 Artigo Terceiro: Às palavras proferidas será dada a respeitosa condição de expressão pessoal igualmente valorosa como previsto no Artigo Segundo, Parágrafo único, cabendo ao que as ouve mesma reverência e compreensão, na exata medida, sendo elas interpretadas como forma diversa de expressar, respeitando o mais importante que são seu conteúdo.

 Artigo Quarto: Para o bem de todos e coerentemente, o presente diploma legal será escrito no mais fino papiro que deverá ser jogado (não antes sua divulgação e confirmação de entendimento, anuência e adesão de todos os que habitam a Terra do Ser) no mar para que o mesmo dissolva-se até o ponto que deste não reste o mínimo traço.

 Revogam-se todas disposições em contrário a partir da publicação deste ato, pois o mesmo tem como objetivo precípuo o encontro da Felicidade em seu sentido mais amplo bem como do Amor, tendo a compreensão de que todas as formas de alcança-los são válidas, respeitando a condição individual de todos que a Terra do Ser habitam."

Assim foi feito e tudo o que se sabe dessa história foi passado de geração a geração por palavras.

E sentimentos.


quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Onde fica a tecla "mute"?

Eu falo muito. M-u-i-t-o. Falo pelos cotovelos, pelos antebraços, pelas (e com) as mãos, pego o caminho de volta e falo pelo braço, ombro, omoplata, até fazer um desvio pra dentro e falo pelo coração...
Falo das coisas que sinto, narro meus sentimentos até. Conversar comigo às vezes deve dar a sensação de assistir a um filme ouvindo os comentários do diretor. Chato, deve ser. Para uns; para outros não. Pouco importa. É minha forma de passar pro lado de fora do muro de mim (que existe e não, não se engane, perde feio quando eu quero pro antigo de Berlim ou novo da Cisjordânia) tudo o que sinto, penso.
Se eu estivesse do outro lado da mesa ou da cama, acharia engraçado mas ao mesmo tempo interessante ver alguém se dispondo a explicar e detalhar e expressar todos os mecanismos internos do pensamento de si mesmo... A tradução em forma de palavras e trejeitos das engrenagens mentais, ronc-ronc-ronc, da pessoa. Não que seja isso tarefa fácil de experimentar. Não mesmo. Acho que torno fácil. Nem tampouco algo que se deva tomar como absoluta e estanque verdade, definitiva e definidora de todas as minhas convicções, credos, dogmas, preconceitos (é, eu sou mais um vil de Pessoa). Mas alto lá que não há nenhuma incoerência nisso, nem tentativa de lançar flares para os mísseis guiados pelo calor dos meus sentires. É que nada é permanente. Busco a coerência em todos os meus atos, mesmo os mais insanos e tresloucados (e assim já tomo a dianteira de quem vier dizer que alguns assim o foram - perdeu, playboy, já admiti!).
Nesse caminho, as palavras ditas são a terra, as pedras e o piche dessa estrada para a qual convido meu interlocutor a trilhar pra dentro de mim. Mas nada de egotrips ou discursos monocráticos e vaidosos de mim sobre mim mesmo, porque tão logo finda a tarefa de passar o meu recado e mais meia dúzia de coisas que acho que ajudam a contextualizar, exercito a (pra mim) arte de buscar um nexo de sintonia com quem eu falo, citando algo que já foi dito ao longo da conversa anteriormente ou sei dela pessoalmente, como que pra fazer uma ponte onde eu, finalmente, passo a palavra, a bola, a mesma possibilidade de que o outro fale tanto e tão profundamente de si o quanto eu fiz até então. Muito maior do que o prazer de falar o que penso/sinto é o tesão de poder mergulhar no outro, em seu universo íntimo e particular. Minha forma de convidar doce e sedutoramente a um belo passeio a dois...
Certa vez disseram, com uma propriedade que não merecia vindo de quem veio, a definição de que tenho a enorme capacidade de produzir auto-diálogos (ao menos a pessoa foi bem feliz na ironia fina e contundente da definição) onde eu consigo falar, dar eu mesmo a réplica, tréplica, políplica e se brincar, entrar numa discussão ferrenha e sanguinolenta sem que a pobre pessoa do outro lado tenha a chance (desnecessária, vai...) de sequer proferir uma só palavra. Sou assim mesmo, fazer o quê, se me amo inclusive por esse meu jeitinho? Charme pessoal, pelo menos na minha contabilidade de atributos.
De uma coisa, enfim, tenho cá comigo uma certeza que me permito considerar quase que absoluta: conversar comigo é, no mínimo, divertido. E envolvente e nunca algo pra alguns parcos minutinhos. Horas de relógio grande são necessárias.
Ah, já ia me esquecendo: tudo isso aí só vale pra quem me desperta isso, e por isso mesmo, as pessoas que mais amo, amo ouvi-las, fazendo da conversa um enorme e prazeroso passeio de montanha-russa misturado com bungee jump e ficar de bobeira com bóia de patinho na lagoa.
O melhor de mim sempre para as melhores pessoas para mim. Privilégio enorme meu em tê-las na minha vida.
E priu.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

E aí?

(Para ouvir ao som de "O Vôo do Besouro". Ou o Concerto No. 2 de Vivaldi - Verão - 3o movimento, Presto. Repetidas vezes! Pra dar tempo...)


Anacrônico, eu? De modo algum. Logo eu...
- ZAP!
Trabalhando, praticamente nascido e criado com tecnologia e sabendo dela...
- ZAP!
Até o tutano. Tanto anos nessa área.
Mas agora...
- ZAP!
Me fizeram entender que...
-ZAP!
(Eita, saiu uma próclise errada..)
-ZAP!

Fizeram-me...
-ZAP! ZAP!

Entend...
- ZAP! ZAP!
...er que os tempos mudaram.

ZAP! ZAP! ZAP!
Pra melhor, pois velocidade
ZAP! ZAP!
(acho que peguei a manh...
ZAP!
aaa, ora cacet...
ZAP! ZAP!
e. Pronto, ora cacet...
ZAP! ZAP! ZAP!
EEEEEEEE! CACETE!)
ZAP!
Eladeterminaoritmodeumageraçãomassaquetemnnelaaverdadedoquesesenteeprecisaserdito.
Ou será - zap - que não?
-Zap...


sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Gigante gentil

Não, não se antecipe.
Não se apresse.
Pra nada.
Em nada.
A começar por tirar conclusões sobre o livro vendo dele apenas a capa, principalmente quando ele ainda está na prateleira...
Toda muralha tem brechas pois sem espaços vazios não há matéria.
Todo espinho aparente conduz ao caule
E esse, à flor..

Não, não se iluda.
Nem com suas próprias arquitetadas e repetidas ilusões.
Quebrar ciclos,
Reinventar(-se),
(Re)descobrir sentimentos,
Permitir-se, surpreso,
Poder aprender novos ritmos, novos sons, novas formas de dançar...
Todas essas coisas são necessárias
Deliciosa e naturalmente...

Não, não fuja.
Nem corra "desesperado" ao encontro de algo
Pelo simples fato de "ter que" encontrar.
A viagem começa bem antes de se chegar ao lugar pretendido.
O azedo realça o doce,
Por isso às vezes é melhor começar por ele,
Lá atrás, mesmo sem se dar conta disso a princípio...
Afinal, no curso de todas as coisas do mundo,
"Vai melhorar"...


Não, não diga não.
Mesmo.
Pois sim,
Gigantes são gentis.

domingo, 9 de novembro de 2014

Dos caprichos do tempo

(Para ler ao som de Adios Nonino, de Piazzolla, com orquestra...)

"Tempo, tempo, tempo, tempo"
Ágil, fugidio, surpreendente, tal "Senhor de Todas as Coisas" insano regente, tresloucado.
Mas nem tanto assim...
Queda-se no colo qual criança que pede acalanto, contendo em si toda a energia "velada", só querendo que seja interpretado como algo que precisa algo, um pouco - Muito! - de uma tal paz mal criada por viciosos modos erráticos.
Ele vem aos poucos, reclamando mais espaço, mais, e mais e um pouco mais. Mais!!!
Apoteótico disfarçado de mezza calma, mas não se engane...
Ele vem, vem, reinstalando certa calma, certa ânsia contida de transformar. A vida.
Reintegra laços, descortina novos, pede espaço, espaço-tempo, pros sentires.
Sentidos em todos esses mesmos...
Em paz.

(Nem sei se prestou, não vou revisar. Escrito no tempo da música, durante ela; cada "movimento", o que veio a cabeça, no ritmo. 7 minutos e 50 segundos de desafio e catarse)

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Desvão(-se) ou "Se de cada porta que se fecha, outra - bem melhor - abre-se"

Epígrafe:

"Estes valores não são absolutos, dependem exclusivamente do tipo de porta que você escolheu, o que terá de ser feito antes mesmo de iniciar a construção!" 


http://www.fazerfacil.com.br/Construcao/vao_porta.htm


Do vão da porta, em vão
Vejo-os. Todos.
Vêm e não veem eles;
Os dois mesmos naquele movimento diário
Do ir e vir
Sem mais se notarem.
Ouço-os a passos largos
Afastarem
A cada e deles o que tanto e tão bem atraía 
Diminuindo espaços,
Encurtando miopias...
Agora
Cegos, distantes,
Mal olhando, mal calculando o espaço onde
O esbarrar
Foi antes, motivo de festa:
"Eita!" Risos. "Foi mal..." Mais risos.

Agora, não. Não mais. 
Ruem-se pilares
Desvanecem-se olhares.
Nada mais.
E eu de cá,
Observo calmamente,
Enxergando alhures,
Contraditoriamente novos espaços, pessoas, (con)formações.
Desde que donde preso, liberto-me e espero
No infinito do espaço-tempo
Outros tais.
Que me façam lembrar e reafirmar
A condição primeva
De espaço que proporciono
A eles, a mim, a alguém;
liberto e me fazendo tão e tanto sentido ser
Num futuro por aqui
Já de novo sendo
Presente.
E por mim.

E por ela,
Do lado dela,
Dura, firme, tal-e-qual
Impenetrável
Que no entanto,
Apesar de tanto,
Ora negra, morena, afasta de todo o gris.
Do meu umbral
Cimentado noto.

Reinventando cores,
Movimentos improváveis.

E eis que me vejo
No que posso,
Entrecortado por tijolos, madeira, estuque,
Reintegrando
Nela e em mim também
Análoga
A condição.

Feliz.


quinta-feira, 3 de outubro de 2013

...


meus dias são tristes e temem as noites.
são as horas mais vazias. as mais traiçoeiras.
ficam a espreita, à espera de que se vão os últimos raios do sol, como vampiros...
assim, como o escuro, invade também o silêncio.
nem todos os sons do mundo conseguem vencê-lo na câmara vazia que tornou-se minha alma.

noite alta, penso em você. como fiz o dia todo, também, mas é diferente...
longe das distrações que invento, só ficamos eu, tua ausência e o silêncio..
na pedra fria que um dia foi nossa cama tão acolhedora, jaz alguém parecido comigo, que atende pelo meu nome, mas que não reconheço...
me assusto ao ver essa pessoa num lugar que outrora foi meu. e seu.
tento afugentá-la, mas de nada adianta; ele me diz: "aqui é meu lugar".
tornei-me um intruso para mim mesmo.

o quarto, a casa, as ruas, a cidade.
tua ausência preenche tudo.
e de nada adianta tentar reclamar meu antigo lugar: eu não mais existo para ele como antes.
assim as horas vão passando...

compartilho todas minhas angústias comigo e com esse outro:
é minha única companhia durante as longas noites.
não quero acostumar com sua presença, mas ele insiste em me acolher.
sorrateiro, porém, quando ele dorme, eu sumo. mas não para muito longe...
toda noite, por mais que demore a passar, termina.
e, quando chega de novo o sol, o outro se vai.
não sem antes deixar em seu lugar a tristeza, que me acompanha fielmente ao longo do dia
como que para garantir que eu não fuja; para encontrá-lo, de novo, mais tarde...

o que ele não sabe é que
num desses intermináveis intervalos de horas que dividem os dias
você entrará de novo pela porta da frente de minha vida...
imagino a surpresa dele ao descobrir que todas as noites
fugia para me encontrar com você, te chamando de volta...

quinta-feira, 28 de março de 2013

A impersistência da memória

"Quando se estabelece que algo é apenas esperado, dissipa-se toda e qualquer sensação de surpresa que possa ter sido gerada a princípio."
Harry G. Frankfurt