A Tristeza, de dentes alvos e afiados
Vive presa numa jaula de grades feitas de fios de seda
Tecidos por nós, que tanto a tememos.
Desde tempo imemoriais ela lá vive
E desde sempre lutamos para acreditar
Que ela não foge porque assim o queremos.
Mas, a um só vacilo,
A fera está solta
A devorar pessoas, sonhos...
E apenas assistimos, aterrorizados.
Vítimas uma a uma sucumbem ao seu apetite voraz
Mas ela parece nunca estar saciada
Ao contrário, busca mais e mais
Como se quisesse compensar todo o tempo em que ficou aprisionada.
E as baixas são tantas, tantas...
E pensamos “como deus permite que viva assim entre nós tão amaldiçoado flagelo?
Como nos dá a Alegria apenas para servir de alimento à fera?”
Mas eis que então dos céus (ou ao menos pensamos vir de lá)
Vem uma voz que diz:
“Não me imputes uma culpa que só a ti pertence.
Eis tua filha, tua cria e criação.
Sede um bom pai, acolhei-a, ou ao menos, assuma-a”
E quedamos calados então.
A assistir ela agir, seguindo sua natureza,
Ir consumindo tudo até chegar o momento terrível
Em que só restará a nós mesmos
Sê-la derradeira refeição.