segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Lírica

A Tristeza, de dentes alvos e afiados

Vive presa numa jaula de grades feitas de fios de seda

Tecidos por nós, que tanto a tememos.

Desde tempo imemoriais ela lá vive

E desde sempre lutamos para acreditar

Que ela não foge porque assim o queremos.

Mas, a um só vacilo,

A fera está solta

A devorar pessoas, sonhos...

E apenas assistimos, aterrorizados.

Vítimas uma a uma sucumbem ao seu apetite voraz

Mas ela parece nunca estar saciada

Ao contrário, busca mais e mais

Como se quisesse compensar todo o tempo em que ficou aprisionada.

E as baixas são tantas, tantas...

E pensamos “como deus permite que viva assim entre nós tão amaldiçoado flagelo?

Como nos dá a Alegria apenas para servir de alimento à fera?”

Mas eis que então dos céus (ou ao menos pensamos vir de lá)

Vem uma voz que diz:

“Não me imputes uma culpa que só a ti pertence.

Eis tua filha, tua cria e criação.

Sede um bom pai, acolhei-a, ou ao menos, assuma-a”

E quedamos calados então.

A assistir ela agir, seguindo sua natureza,

Ir consumindo tudo até chegar o momento terrível

Em que só restará a nós mesmos

Sê-la derradeira refeição.