terça-feira, 21 de abril de 2009

Sobe!

Cena:
Você entra no elevador. Ninguém dentro, ufa! Aperta seu andar, a porta fecha. Lá pelo meio do caminho, sobe um infeliz, dois andares depois mais 3 e, horror dos horrores, uma última parada antes do seu andar entra mais uma... Paciência. Foi-se embora o feudo urbano. Antes o que era seu, só seu, torna-se praticamente um assentamento, sem direito a reintegração de posse!

Instaura-se o moderno suplício de compartilhar o que chamo de "maior menor espaço do mundo". Maior porque inacreditavelmente, para um espaço tão exíguo é espantoso como cada pessoa que adentra o recinto consegue olhar para um canto distinto, fazendo de tudo para não encarar quem está ali, bem do ladinho. E haja parede, teto, chão pra tanto olhar perdido, mas compenetrado... Maldade das maldades é quando o bendito tem espelhos... Deviam proibir espelhos em elevadores, ora! Eles acabam forçando aquela troca de olhares inadvertida e indesejada (tá bom, vá lá... até que às vezes uma olhadela "naquela" figura não cai tão mal assim, né?).

A gente fica olhando os números passarem como se fossem uma contagem regressiva pra sair correndo dali. E olha que correndo não é nenhum exagero. Na média, os tais andam a 4,5km/h, que pode até parecer pouco, mas pra quem tá acostumado a caminhar sabe que é velocidade suficiente pra se livrar daquele mala que tá andando lado a lado com a gente no calçadão. Basta apressar o passo e, priu! o tal fulano já ficou pra trás. Só que não dá pra correr em bloco, nem se distanciar dos retardatários num lugar onde todo mundo anda junto, meio boiada atravessando rio...

Minha filha mora no último andar do prédio dela. Bichinha... Tem que aguentar mesmo. É a angústia suprema. Sempre a última a descer, e tome ouvir histórias, ver gente esquisita, sentir perfume forte...

Atire a primeira pedra, ai ai ai, aquele que nunca sentiu-se assim, incomodado. Espaço vital? Vai pro beleléu. E ainda tem gente querendo fazer elevador pro espaco! Já imaginou? Se alguns andares já mostram o quanto podemos ser intolerantes ao contato humano forçado, pense só que podem ser quilômetros e quilômetros para o alto e avante...

E as gentes também fazem graça até com isso. Aí vai a contribuição de um amigo, Valois, que conta que um procurador do estado diz que o problema mesmo é o "monstro do fosso do elevador", carinhosamente conhecido como "O Mesmo", tudo por conta da bendita frase que é estampada na botoeira - eu sei, soa terrível, mas é o nome técnico da coisa de chamar o danado, tenho culpa nenhuma - "Antes de entrar no elevador, verifique se 'O Mesmo' encontra-se parado neste andar". Sinistro!

Lembrei-me agora de um filme ultra-trash no qual o protagonista que aterroriza os incautos é ninguém menos que - adivinha? - o elevador. O nome da pérola é "Elevador Assassino". Deve ter feito muito sucesso, pois a versão original é holandesa de 1983 e ainda ganhou uma refilmagem americana em 2001. Coisas de Corujão...

Bobagens à parte, fica a dúvida. Se a gente se incomoda tanto assim, por tão pouco, e olhe que não tem nada a ver com claustrofobia ( a coisa tá mais pra medo de gente mesmo), porque afinal de contas simplesmente não tomamos as escadas? Afinal, como aprendi num prédio conhecido aqui do Recife, mais precisamente no Recife Antigo, ali, de cara pro Marco Zero, postado na porta de cada andar os singelos dizeres: "Para subir um ou descer dois andares, use as escadas. É salutar."

Elis Graves Otis, o americano (tinha que ser...) que inventou o elevador de passageiros que me perdoe: esse negócio de andar em caixas só pra sapatos.

PS: Moro hoje no sétimo andar. E vou sempre de elevador. "Salutar" um chico!


3 comentários:

Fabiana Schondorfer Braz disse...

marcilio, gostaria de deixar registrado minha admiração pelo texto de uma situação tão corriqueira,porém inquietante em nosso dia-a-dia. Me lembra vários risos em um jantar (sem assunto)
que renderam uma reflexão interessante.
beijos,
a moradora do ultimo andar

Anônimo disse...

como gostaria de ter dito já há um bom tempo... adoro demais seus textos, sua maneira de escrever com fluidez, humor e sagacidade e que dá vontade de avançar cada linha cada vez mais... uma poesia... sempre, né? continue com este sabor, tesão e amor pelas palavras... isso é o que te faz inovar e ser quem é de maneira forte, inteligente, mas ao mesmo tempo doce e presente... parabéns pelo blog e boa sorte nesta sua nova - cada vez mais bem escrita - lida.
bjs. lu.

Anônimo disse...

"por quê não tomamos as escadas?"
Não cara, hoje não eu tomo mais nada.

"esse negócio de andar em caixas só pra sapatos."
Quando eu era criança e as sapatarias tinham vários andares, era justamente onde eu queria andar, e junto com os sapatos.