quinta-feira, 23 de abril de 2009

Amigos - O longa que deu origem à série

Ah, a amizade em suas mais diferentes formas e matizes... São tantas histórias que decidi fazer uma série dedicada a eles e aos causos que os cercam. E juro que não sei quando vem o 2, mas que virá isto é certo.

Amigos... São tantos. Mas tão poucos ao mesmo tempo. 

Menos do que precisamos e, às vezes, mais do que merecemos. Sim, sim. Temos a nossa porção tratante, que nos faz achar que somos menos merecedores de tanta coisa boa que nos dão, esses amigos maravilhosos.  

Aquela mesmo, a tal porção(zinha, porque a gente no fundo é gente boa, vai...) cínica, que todo mundo nega ter, como nega assistir de vez em quando Sílvio Santos no domingo e pra tentar desfazer a cara de espanto/pânico/nojo geral dos amigos na mesa do bar, quando comenta que viu uma coisa interessante justamente no programa dele, sai com a velha: "É que eu tava passando os canais, juro!". 

Pois bem, voltando ao descaramento, mesmo depois de descaradamente tentar desviar o rumo da prosa, temos sim esses lapsos que fazem-nos sentir as piores das criaturas. 

Você está andando na rua, do nada materializa-se na sua frente uma pessoa que você jura que conhece. E ela jura que você sabe de onde, o nome dela, o da mãe dela, o do gato de estimação, aquele, lembra? Você NÃO lembra. Mas fica ali, com aquela cara de paisagem... E dá-se início a peleja:

- Marcilio, quanto tempo rapaz! Você tá mais magro (permitam-me um pequeno merchandising...)!

- Pois é, rapaz! - Primeiro sintoma: você apela para todas as formas possíveis e decentes de chamar uma pessoa, enquanto apela também a todos os anjos e santos que baixe em você o nome do(a) infeliz...

- Como vai tua mãe? - O cara conhece até minha mãe, meu Deus. É uma pista, é uma pista! Da rua? Do colégio? Irmão de alguma ex-namorada? E nada de baixar nada. 

- Tá indo bem, graças a Deus. E a família - Pô, ele tem que ter uma família, né?

- Tá todo mundo bem também. Minha irmã casou. Lembra do noivo eterno dela? - Não! Nem dela!!! E tome paisagem na cara...

- Que coisa boa...

- Pois é, rapaz. Precisamos nos reencontrar pra relembrar os velhos tempos. 

A esta altura já é oficial: você é um crápula. A pessoa tá na cara que além de saber teu nome, gosta de você - você jura que rola até um misto de carinho com admiração dele em relação a você só pelo olhar da criatura - e que ela está realmente feliz em te reencontrar, mas você fica nessa, "cara" pra lá, "rapaz" pra cá... 

Mas aproxima-se o grande momento. Toda a avenida sambando animada ao ritmo do teu coração que bate mais que surdo em dia de desfile das campeãs. Vem a escola de samba toda chegando pertinho da apoteose, é o momento crítico, a hora da verdade, a tal hora agá:

- Anota aí meu celular. 

Desculpem-me pelo mau jeito, mas é impossível não citar uma historiadora amiga minha nesse momento: Fudeu, fudeu, fudeu! Que diabo de nome você vai colocar na agenda do celular, me diz mesmo?

Esse negócio de celular por si só já deveria nem ter sido inventado, se não por isso no mínimo por ter estragado toda a graça que tinha em marcar de tal hora em tal lugar e a pessoa chegar um pouquinho antes e ficar naquele verdadeiro frisson (pra quem é de Pernambuco vai "torada de aço" mesmo) se ia levar um bolo ou não (e certos bolos nem São Pedro conseguia livrar o infeliz, não adiatava invocar...).

E aí você fica naquela... Perguntar o nome a esta altura do campeonato é demais... Sem chance. Desistir justamente a 3 segundos do soar o gongo do décimo assalto, depois de já estar todo estropiado, mas de pé? Never, nunquinha. O jeito é dar aquela segunda demão de óleo de peroba e caprichar no lustre: 

- Teu sobrenome mesmo? - É tiro e queda! O sujeito cai, você ganha o nome dele - porque ele VAI dizer o primeiro nome - e você sai o mais ileso possível, exceção feita pro caso dele ter sido amigo teu de colégio e na sala tivessem dois ou mais com o mesmo nome dele, porque aí todo mundo conhecia os sobrenomes que distinguiam os xarás. Ou sai morto: e se ele era o teu xará?

Mas tem uma variante desta saia-justa. Não sei se pior - dá pra ser? - quando você está acompanhado de um amigo (esse graças aos deuses você sabe o nome) e encontra aquele amigo lá de cima... 

Situação complicada deveras... Imagina todo o diálogo que descrevi agora com o terrível agravante de que as duas pessoas ficam uma olhando pra cara da outra e pra tua, devidamente envernizada, quase implorando "poxa, me apresenta!". 

Nessa, ou você tira literalmente uma de doido e faz de conta que regrediu aos cinco anos de idade e que o amigo que vinha contigo era imaginário e não apresenta o pobre de jeito nenhum ou apela pra um expediente pouquíssimo ortodoxo, que eu não recomendo a ninguém, mas que uso rotineiramente por falta de imaginação - aceito sugestões, tá?: "ah, vocês que se apresentem aí...".

Tudo bem, você ganha inteiramente de grátis o nome do fulano, mas vem de brinde a nítida impressão pros teus dois amigos que você realmente não lembrava o nome de um deles. 
E como o primeiro sabe que você sabe o dele, fica pensando que isso vai acontecer um dia, mas dessa vez com ele no papel de amigo transeunte...

Esquecimento é uma coisa humana. A gente precisa esquecer mesmo. Pra viver melhor, superar as perdas, por exemplo... Já imaginou se você lembrasse de tudo o que te magoou ao longo da vida? Só a quantidade de "nãos"  que a gente recebe até o segundo ano de vida era material suficiente pro sujeito passar o resto da vida deitado num divã. 

Por isso defendo abertamente o direito inalienável de esquecer as coisas, de vez em quando. Inclusive nomes. E de amigos. Assim como datas de aniversário, datas cívicas e algumas estrofes do hino do Estado natal.

Portanto, meu amados amigos esquecidos, perdoem-me. Todos moram em meu coração e certamente em algum lugar bem escondidinho da minha vasta mente. Pra tentar amenizar a calhordice, vamos considerar então que vocês estão tão bem guardados, mas tão bem guardados mesmo porque são absoluta e inestimavelmente preciosos. 

Aí, sabe como é, né? Como meu pai sempre disse, dentro de casa não é perdido e amigos são as portas, as janelas e em alguns casos, aquelas meias perdidas na casa da nossa alma.

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